sexta-feira, 13 de abril de 2012

Central do Brasil



Em 1999 o cinema brasileiro viveu um momento histórico, pela primeira vez  um filme nacional estava concorrendo ao Oscar em duas categorias na mesma noite, melhor filme estrangeiro e melhor atriz para a atuação soberba de Fernanda Montengro. O filme que gerou esse feito foi Central do Brasil de Walter Salles. Lançado nos festivais de Berlim e Sundance no começo de 1998 o filme emocionou grande parte do público e logo causou repercussão na imprensa mundial, acabou ganhando o Urso de Ouro e Fernanda venceu o Urso de Prata de melhor atriz. Lançado em seguida nos Estados Unidos, o filme recebeu críticas excelentes e muitos começaram a apostar que assim como tinha acontecido com Cinema Paradiso, o filme brasileiro iria entrar no Oscar não apenas na disputa de filme estrangeiro, mas também na de melhor atriz.

Todos os dias de manhã a professora aposentada Dora escreve cartas para pessoas analfabetas, cobrando apenas dois reais, a personagem relata histórias de cidadãos comuns e que tentam se comunicar com parentes distantes. O que as pessoas não sabem é que raramente Dora envia as tais cartas, a noite ela se reúne com uma amiga para se divertir da esperança e da desgraça alheia para depois decidirem se colocarão ou não as cartas no correio. Seria uma forma, na miséria de suas vidas, de ambas brincarem de Deus, decidindo se irão ou não mudar a vida de alguma pessoa. Uma dessas cartas em questão se refere a vida de um casal Pernanbucano que tinha sido separado pela distância geográfica, a mulher morava no Rio de Janeiro e um dia de manhã aparece na escrivaninha de Dora para despejar sua mágoa em relação ao ex marido, para depois se arrepender e voltar no dia seguinte desejando uma nova carta com tom diferente. Uma fatalidade acaba acontecendo e a mulher deixa o filho sozinho no Rio, Dora acaba se aproximando do garoto e em um momento de loucura acaba vendendo-o para traficantes de orgãos. Com peso na consciência, a malandra salva o garoto e o leva para o interior do nordeste para encontrar o seu pai.

Central do Brasil é o que pode se chamar de Road Movie, quando o filme se passa no Rio de Janeiro, tudo é apertado, escuro e triste, quando coloca o pé na estrada abre a câmera e passa a mostrar paisagens nordestinas de tirar o fôlego. Dora, que inicialmente era fria e distante, passa a ficar mais humana com a proximidade do arredio Josué, a relação que surge entre a senhora e o garoto é o ponto alto do filme e faz lembrar a dupla Alfredo e Salvatore, do filme italiano Cinema Paradiso. A visão sobre a protagonista foi diferente da nacional em vários cantos do mundo, se no Brasil muitos viram Dora como uma malandra no fundo, boa praça, nos Estados Unidos, muitos a viram como uma criminosa, já que em determinado momento ela tenta se desfazer do garoto para ganhos pessoais. A personagem apesar de complexa para estrangeiros, se torna comum para os brasileiros, uma heroína sem caráter, mas que tenta de sua forma se dar bem na vida mostrando no fundo um bom coração.

Walter Salles foi totalmente contra a tendência pós Tarantino de se fazer cinema com Central do Brasil, ao invés de escolher um roteiro diferente e excêntrico, filmou uma história simples e sentimentalmente rica. Tocando em uma ferida nacional, que é o analfabetismo, Central do Brasil não se prende a crítica social  e mergulha de cabeça no coração da raíz dos brasileiros menos favorecidos, seria como se cada um do cidadão brasileiro analfabeto tivesse ganhado voz, cor, corpo e história. Rico na sua história, no seu detalhismo e nas suas atuações, Central do Brasil, se torna soberbo ao retratar uma parte do Brasil que tem tendência a ser esquecida pelas pessoas.

Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar pelo seu papel, se firma como a melhor atriz que o Brasil já teve em uma atuação acima da média até para os padrões do cinema americano e europeu. Com uma carga dramática excelente e na medida, Fernanda brinda o público com momentos de cortar o coração até do mais gélico do espectador, e ainda mostra versatilidade ao caminhar tranquilamente pelo campo do humor, oferecendo momentos deliciosos e brilhantes. Com certeza uma das mais belas atuações que o cinema mundial já teve o prazer de mostrar. Vinícius de Oliveira, que dá vida ao garoto Josué, em seu primeiro papel, brilha e cresce na tela no decorrer na projeção. É emocionante e linda a cena final que envolve a separação dos dois personagens, tanto Fernanda como Vinícius brilham e fecham o filme com dignidade e total certeza de seus bons trabalhos, reluzentes e triunfantes em um dos mais belos finais que o cinema já produziu.

Central do Brasil é uma das maiores injustiças do Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro e melhor atriz. Em uma momento pouco reconhecido do cinema, é triste perceber hoje, que a derrota desse brilhante filme tenha sido motivado por lobby e jogos políticos que cercam a academia.

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